quinta-feira, 15 de abril de 2021

Enxaqueca - Algumas considerações

 


A enxaqueca é uma cefaleia (dor de cabeça) muito frequente, afetando cerca de 15% da população adulta, ou seja 1 em cada 7 pessoas. É mais frequente nas mulheres que nos homens, na proporção de 3 para 1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou-a como a segunda causa de incapacidade no mundo.

A enxaqueca não é uma simples dor de cabeça

A dor é frequentemente pulsátil (latejante) e num dos lados da cabeça. Por atingir a fronte, os olhos e a região malar (bochecha) é muitas vezes confundida com sinusite. Acarreta sempre algum grau de incapacidade, levando muitas vezes os doentes a deitarem-se. A OMS considerou que um dia com enxaqueca poderá ser tão incapacitante como um dia com tetraplegia (incapacidade de mover os quatro membros). Habitualmente durante as crises os doentes preferem um local calmo e escuro. É frequente, durante as crises, haver fotofobia (intolerância à luz), fonofobia (intolerância ao ruído) e osmofobia (intolerância aos cheiros, como por ex. perfumes), bem como náuseas (agonias) e vómitos. A enxaqueca é uma doença primária do cérebro, não sendo consequência de outras doenças como traumatismos cranianos, doenças vasculares, doenças dos olhos, da coluna vertebral ou tumores cerebrais. É uma forma de cefaleia neurovascular, com um “gerador” no cérebro, uma perturbação em que os eventos neuronais resultam em dilatação dos vasos sanguíneos, provocando dor e ativação neuronal. É uma doença claramente familiar, em que dois em cada três doentes com enxaqueca têm um familiar do primeiro grau atingido por uma doença semelhante.

Doença de base genética

É seguramente um transtorno genético, pois a maioria das pessoas com enxaqueca nasce com uma predisposição. Pensa-se que há vários genes implicados e que interatuam de forma complexa, de modo ainda não completamente esclarecido. Inicialmente pensava-se que os doentes com enxaqueca tinham concentrações baixas de serotonina, um neurotransmissor implicado no processamento e interpretação dos sinais da dor. Atualmente sabe-se que o mecanismo é muito mais complexo, incluindo outros neurotransmissores, como o glutamato e a dopamina. Além disso poderá haver diferenças na forma como várias regiões do cérebro funcionam e se conectam nas pessoas com enxaqueca. A excitação ou o excesso de sensibilidade do nervo trigémio (um nervo craniano responsável pela sensibilidade da face) podem ser parte do processo complexo. As crises de enxaqueca desencadeiam inflamação em redor dos vasos sanguíneos do cérebro, a qual estimula as terminações nervosas na proximidade dos ditos vasos. O cérebro torna-se demasiado sensível aos sinais dos nervos e interpreta a informação como dolorosa.

Fatores desencadeantes

O consumo de álcool, não dormir o suficiente (por vezes dormir demasiado), certos alimentos, a ansiedade e as alterações climáticas são alguns dos possíveis fatores desencadeantes de crises de enxaqueca. As pessoas com enxaqueca devem evitar o monoglutamato de sódio (que se encontra em muitos alimentos embalados e processados), bem como evitar “saltar refeições”. Os conservantes, em particular os nitratos das salsichas e dos enchidos, podem desencadear crises por libertação de ácido nítrico, podendo dilatar os vasos sanguíneos e ativar regiões do cérebro que estão envolvidas na enxaqueca. É muito recomendável a realização de um diário das cefaleias para tentar encontrar padrões (alimentos, ambientes ou situações) que precedam a crise de enxaqueca. Se os padrões forem identificados, será possível eliminar fatores desencadeantes para minimizar o número de crises. Claro que nem todos os fatores desencadeantes podem ser identificados ou suprimidos. As alterações nas concentrações de estrogénios são fatores desencadeantes habituais nas mulheres, com um aumento da frequência e da intensidade das crises de enxaqueca antes, durante ou depois da menstruação.

Tratamento

As pessoas começam habitualmente por tomar analgésicos de venda livre para tratar as suas crises de enxaqueca. Se não resultarem deverão utilizar-se medicamentos de prescrição médica, sendo os triptanos os mais específicos e mais eficazes. Os triptanos aumentam as concentrações de serotonina, provocando vasoconstrição e redução da inflamação. Também diminuem a quantidade de péptido relacionado com o gene da calcitonina (CGRP), um neuropéptido associado à dor e à inflamação. Embora sejam fármacos seguros, como contraem os vasos sanguíneos estão contraindicados em casos de doença isquémica cerebral, cardíaca e hipertensão arterial não controlada.

Quando as crises se tornam muitos frequentes (superiores a duas por mês) ou muito intensas, deverá ser instituída medicação preventiva. Os medicamentos utilizados começaram por ter outras indicações como o tratamento da hipertensão arterial e a prevenção das crises de epilepsia, não sendo portanto específicos para a prevenção da enxaqueca. Os inibidores do CGRP constituem uma nova classe de medicamentos específicos para o tratamento da enxaqueca, quer das crises, quer na profilaxia. Foi também recentemente aprovado nos Estados Unidos da América o lasmiditam, um novo medicamento para o tratamento das crises de enxaqueca nos adultos, sem os inconvenientes dos triptanos, podendo ser utilizado nos doentes com patologia vascular. Por fim uma breve alusão às terapêuticas não farmacológicas como a estimulação magnética transcraniana e a estimulação do nervo trigémio transcutânea. Estarão indicadas principalmente nos casos de intolerância à medicação farmacológica.

 

Um artigo do médico Jorge Machado, especialista em Neurologia, membro da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, Presidente do Conselho Fiscal e membro da Comissão Científica da Sociedade Portuguesa de Neurologia.

https://lifestyle.sapo.pt/saude/fitness-e-bem-estar/artigos/enxaqueca-algumas-coisas-que-deve-saber



quarta-feira, 14 de abril de 2021


 


Alterações do olfacto e do paladar na COVID-19Entrevista Viva Saúde RTP África, 12 Abril 2021


https://www.rtp.pt/play/p8269/e536850/viva-saude




terça-feira, 13 de outubro de 2020

COVID-19 é uma grande dor de cabeça!

 


Após a emergência de um novo coronavírus designado SARS-CoV-2, a COVID-19 (corona vírus disease 2019) foi inicialmente caracterizada por febre, dor de garganta, tosse e dispneia, manifestações principalmente do aparelho respiratório. Contudo, outras manifestações como cefaleias, dores abdominais, diarreia, perda do paladar e do olfacto foram adicionadas ao espectro clínico durante a evolução da pandemia COVID-19. As descrições de alterações neurológicas têm aumentado rapidamente, parecendo as cefaleias serem o líder da lista dos sintomas. As cefaleias têm sido reportadas em 11-34% dos doentes COVID-19 hospitalizados, principalmente cefaleias de novo, moderadas a severas, bilaterais, pulsáteis ou fixas, com localização temporo-parietal, supra ou periorbitária. As características clínicas mais peculiares são o início súbito ou gradual, a má resposta aos analgésicos simples e a alta taxa de recorrência limitada à fase activa da COVID-19. 6 a 10% dos doentes COVID-19 sintomáticos descreveram a cefaleia como sintoma inicial.


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Novo medicamento para o tratamento da enxaqueca

                                 
No dia 11 de Outubro a Food and Drug Administration (FDA), agência do medicamento norte americana, aprovou o lasmiditam para o tratamento das crises de enxaqueca com ou sem aura, em adultos. Este medicamento oral é o primeiro de uma nova classe terapêutica para as crises de enxaqueca. É um agonista dos receptores 5-HT1F da serotonina, sendo muito mais específico que os anteriores agonistas.
Dois estudos de fase III, controlados por placebo, avaliaram a segurança e a eficácia do lasmiditam. Em ambos, os doentes que tomaram o medicamento activo, duas horas depois,  tiveram percentagens mais elevadas sem dor e sem sintomas acompanhantes como náuseas, sensibilidade à luz e aos sons. Em termos de efeitos indesejáveis, os mais frequentes foram alterações do equilíbrio, sensação de fadiga, parestesias, sonolência, náuseas e/ou vómitos. A capacidade de condução poderá ser afectada, pelo que os doentes deverão ser alertados para não conduzir ou operar máquinas pelo menos durante 8 horas após a tomarem o medicamento, mesmo que se sintam bem.
Está previsto que o lasmiditam esteja disponível no mercado norte americano dentro de 90 dias, em comprimidos de 50, 100 e 200 mg.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Avanços no Tratamento da Enxaqueca em 2018


O desenvolvimento e a introdução no mercado dos anticorpos monoclonais contra o CGRP ou contra o seu receptor constituem os avanços mais importantes no tratamento da enxaqueca durante décadas.
Três ensaios clínicos de fase 3, controlados por placebo, aleatorizados e em dupla ocultação, comprovaram a segurança e eficácia desta nova classe de fármacos.
Com base nos perfis positivos de segurança, tolerabilidade e eficácia destes anticorpos monoclonais contra o CGRP (fremanezumabe e galcanezumabe) ou contra o seu receptor (erenumabe) receberam a aprovação para o tratamento preventivo da enxaqueca nos adultos pela US Food and Drug Administration (FDA) e pela European Medicines Agency (EMA). Especificamente a FDA e a EMA aprovaram a injecção subcutânea mensal de 70 e 140 mg de erenumabe; a FDA aprovou a injecção subcutânea de fremanezumabe, 225 mg mensal ou 675 mg trimestral; por fim a FDA aprovou o galcanezumabe na dose mensal de 120 mg.
Estão a decorrer estudos investigando os anticorpos monoclonais contra o CGRP em doentes com cefaleia em salvas, devendo durante o ano de 2019 ser estabelecida a sua eficácia.

terça-feira, 12 de junho de 2018



FDA e EMA aprovam novo tratamento preventivo para a enxaqueca




A Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos da América, aprovou no dia 18 de Maio do corrente ano o AimovigR (erenumab) para o tratamento preventivo da enxaqueca nos adultos. O tratamento é auto-administrado uma vez por mês. É o primeiro tratamento preventivo de uma nova classe de substâncias que actuam bloqueando o CGRP (calcitonin gene-related peptide, uma molécula envolvida nas crises de enxaqueca) a ser aprovado pela FDA. Este medicamento proporciona aos doentes uma nova opção para reduzir o número de dias com enxaqueca. Os efeitos indesejáveis mais comuns nos ensaios realizados, foram dor no local da injecção, obstipação, espasmos musculares e prirudo.
A 31 de Maio o Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP), organismo da Eeuropean Medicines Agency (EMA) na Europa, recomendou a concessão de autorização de marketing para o AimovigR (erenumab). Estará disponível em solução de 70mg e estará indicado na profilaxia da enxaqueca em adultos que tenham pelo menos 4 dias com enxaqueca por mês.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Enxaqueca. novidades na terapêutica em 2017


A enxaqueca é a principal causa de incapacidade neurológica no mundo, sendo também uma das cinco principais causas de incapacidade a longo prazo. O sucesso dos tratamentos disponíveis é limitado pela eficácia inadequada, pelos efeitos adversos e pela má aderência dos doentes. Além disso, os medicamentos disponíveis para a profilaxia (em que se incluem anti-epilépticos, beta-bloqueantes e antidepressivos) não são específicos para a enxaqueca.
Uma nova etapa no tratamento da enxaqueca está a surgir com o rápido desenvolvimento de novos medicamentos específicos para a enxaqueca, para prevenção ou tratamento das crises. Estes novos medicamentos actuam num único alvo, o neuropeptídeo CGRP (calcitonin gene-related peptide). O ubrogepant é um antagonista dos receptores do CGRP, é administrado por via oral e está a ser desenvolvido para actuar nas crises. Outros medicamentos estão a ser desenvolvidos para a prevenção das crises em doentes com enxaqueca episódica (4 a 14 dias com crises por mês) ou com enxaqueca crónica (15 ou mais dias com crises por mês). Estes medicamentos profilácticos são anticorpos monoclonais que actuam na molécula do CGRP (eptinezumab, fremanezumab e galcanezumab) ou no seu receptor (erenumab). Estes cinco medicamentos estão a ser sujeitos a ensaios de fase 3, tendo sido feita a actualização dos ensaios publicados no 18º Congresso da International Headache Society, que se realizou em Setembro transacto, em Vancouver, no Canadá. Foram reportados resultados positivos, com uma redução significativa dos dias com enxaqueca e um perfil de tolerabilidade e segurança semelhantes ao placebo. O erenumab está a ser avaliado pela FDA (Food and Drug Administration) e pela EMA (European Medicines Agency) para autorização de comercialização, esperando-se que outros o venham igualmente a ser. É muito provável que estes novos medicamentos estejam no mercado dentro de 1 a 2 anos.