A enxaqueca é
uma cefaleia (dor de cabeça) muito frequente, afetando cerca de 15% da
população adulta, ou seja 1 em cada 7 pessoas. É mais frequente nas mulheres
que nos homens, na proporção de 3 para 1. A Organização Mundial de Saúde (OMS)
considerou-a como a segunda causa de incapacidade no mundo.
A enxaqueca não é uma simples dor de cabeça
A dor é
frequentemente pulsátil (latejante) e num dos lados da cabeça. Por atingir a fronte,
os olhos e a região malar (bochecha) é muitas vezes confundida com sinusite.
Acarreta sempre algum grau de incapacidade, levando muitas vezes os doentes a
deitarem-se. A OMS considerou que um dia com enxaqueca poderá ser tão
incapacitante como um dia com tetraplegia (incapacidade de mover os quatro
membros). Habitualmente durante as crises os doentes preferem um local calmo e
escuro. É frequente, durante as crises, haver fotofobia (intolerância à luz),
fonofobia (intolerância ao ruído) e osmofobia (intolerância aos cheiros, como
por ex. perfumes), bem como náuseas (agonias) e vómitos. A enxaqueca é uma
doença primária do cérebro, não sendo consequência de outras doenças como
traumatismos cranianos, doenças vasculares, doenças dos olhos, da coluna
vertebral ou tumores cerebrais. É uma forma de cefaleia neurovascular, com um
“gerador” no cérebro, uma perturbação em que os eventos neuronais resultam em
dilatação dos vasos sanguíneos, provocando dor e ativação neuronal. É uma
doença claramente familiar, em que dois em cada três doentes com enxaqueca têm
um familiar do primeiro grau atingido por uma doença semelhante.
Doença de base genética
É seguramente um
transtorno genético, pois a maioria das pessoas com enxaqueca nasce com uma
predisposição. Pensa-se que há vários genes implicados e que interatuam de
forma complexa, de modo ainda não completamente esclarecido. Inicialmente
pensava-se que os doentes com enxaqueca tinham concentrações baixas de
serotonina, um neurotransmissor implicado no processamento e interpretação dos
sinais da dor. Atualmente sabe-se que o mecanismo é muito mais complexo,
incluindo outros neurotransmissores, como o glutamato e a dopamina. Além disso
poderá haver diferenças na forma como várias regiões do cérebro funcionam e se
conectam nas pessoas com enxaqueca. A excitação ou o excesso de sensibilidade
do nervo trigémio (um nervo craniano responsável pela sensibilidade da face)
podem ser parte do processo complexo. As crises de enxaqueca desencadeiam
inflamação em redor dos vasos sanguíneos do cérebro, a qual estimula as
terminações nervosas na proximidade dos ditos vasos. O cérebro torna-se
demasiado sensível aos sinais dos nervos e interpreta a informação como
dolorosa.
Fatores desencadeantes
O consumo de
álcool, não dormir o suficiente (por vezes dormir demasiado), certos alimentos,
a ansiedade e as alterações climáticas são alguns dos possíveis fatores
desencadeantes de crises de enxaqueca. As pessoas com enxaqueca devem evitar o
monoglutamato de sódio (que se encontra em muitos alimentos embalados e processados),
bem como evitar “saltar refeições”. Os conservantes, em particular os nitratos
das salsichas e dos enchidos, podem desencadear crises por libertação de ácido
nítrico, podendo dilatar os vasos sanguíneos e ativar regiões do cérebro que
estão envolvidas na enxaqueca. É muito recomendável a realização de um diário
das cefaleias para tentar encontrar padrões (alimentos, ambientes ou situações)
que precedam a crise de enxaqueca. Se os padrões forem identificados, será
possível eliminar fatores desencadeantes para minimizar o número de crises.
Claro que nem todos os fatores desencadeantes podem ser identificados ou
suprimidos. As alterações nas concentrações de estrogénios são fatores
desencadeantes habituais nas mulheres, com um aumento da frequência e da
intensidade das crises de enxaqueca antes, durante ou depois da menstruação.
Tratamento
As pessoas
começam habitualmente por tomar analgésicos de venda livre para tratar as suas
crises de enxaqueca. Se não resultarem deverão utilizar-se medicamentos de
prescrição médica, sendo os triptanos os mais específicos e mais eficazes. Os
triptanos aumentam as concentrações de serotonina, provocando vasoconstrição e
redução da inflamação. Também diminuem a quantidade de péptido relacionado com
o gene da calcitonina (CGRP), um neuropéptido associado à dor e à inflamação.
Embora sejam fármacos seguros, como contraem os vasos sanguíneos estão
contraindicados em casos de doença isquémica cerebral, cardíaca e hipertensão
arterial não controlada.
Quando as crises
se tornam muitos frequentes (superiores a duas por mês) ou muito intensas,
deverá ser instituída medicação preventiva. Os medicamentos utilizados
começaram por ter outras indicações como o tratamento da hipertensão arterial e
a prevenção das crises de epilepsia, não sendo portanto específicos para a
prevenção da enxaqueca. Os inibidores do CGRP constituem uma nova classe de
medicamentos específicos para o tratamento da enxaqueca, quer das crises, quer
na profilaxia. Foi também recentemente aprovado nos Estados Unidos da América o
lasmiditam, um novo medicamento para o tratamento das crises de enxaqueca nos
adultos, sem os inconvenientes dos triptanos, podendo ser utilizado nos doentes
com patologia vascular. Por fim uma breve alusão às terapêuticas não farmacológicas
como a estimulação magnética transcraniana e a estimulação do nervo trigémio
transcutânea. Estarão indicadas principalmente nos casos de intolerância à
medicação farmacológica.
Um artigo do médico Jorge Machado,
especialista em Neurologia, membro da Sociedade Portuguesa de Cefaleias,
Presidente do Conselho Fiscal e membro da Comissão Científica da Sociedade
Portuguesa de Neurologia.
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